É difícil acreditar que há apenas um ano, eu e os meus colegas da Fundação Ford anunciamos que trataríamos a questão da desigualdade como elemento central da nossa nova estratégia organizacional, a FordForward.

Quem poderia ter previsto todas as formas que a desigualdade e a injustiça tomariam nos últimos meses? A crescente desigualdade de riqueza; os movimentos anti-imigração ao redor do mundo; o tiroteio em massa em uma boate gay em Orlando, na Flórida; o discurso político que, em tantos lugares, divide as pessoas de acordo com a raça, a etnia e a religião.

É por conta dessas injustiças que reconhecemos a desigualdade como o principal desafio da nossa era; a questão essencial que devemos abordar em todo o nosso trabalho. Assim, após um ano, eu gostaria de lhe atualizar quanto aos nossos esforços para combater a desigualdade em suas diversas formas e dar uma ideia sobre como a FordForward funciona na prática.

Conforme dito em comunicações anteriores, não estamos considerando apenas um ângulo da desigualdade. Estamos trabalhando para enxergar o todo e entender como as peças se encaixam. Seja combatendo narrativas culturais que reproduzem o preconceito e a exclusão ou atacando as estruturas que criam acesso desigual aos recursos naturais, nosso objetivo é acabar com as causas subjacentes da desigualdade. Essas causas assumem diversas formas, assim como a nossa estratégia.

Então, essa é a FordForward.

Uma abordagem integrada

A desigualdade não é uma concepção independente, embora, muitas vezes, seja tratada dessa forma. A desigualdade consiste efetivamente num conjunto de práticas culturais e empresariais de negócios, normas e políticas governamentais, sistemas consolidados e conhecimentos adquiridos que têm o efeito de gerar oportunidades e resultados diversos para diferentes pessoas. Simplificando, a desigualdade é determinada por uma variedade de forças interdependentes que devem ser compreendidas e tratadas em conjunto. Na sua essência, portanto, a FordForward reflete uma abordagem integrada para combater a desigualdade em todas as suas formas.

Isto significa que nosso apoio a organizações que combatem a desigualdade deve incluir uma análise dos problemas, das fronteiras e das populações para encontrar e solucionar suas causas comuns. Abaixo, estão três exemplos de como isso está sendo feito na FordForward.

Nossas equipes do México e da América Central estão concentrando esforços no problema da impunidade na região, onde uma profunda violência e um estado subjacente de ilegalidade impulsionam a desigualdade e ameaçam a vida e as oportunidades de todas as pessoas, especialmente dos jovens e dos pobres. Jovens com menos de 25 anos de idade, por exemplo, correspondem a 70% dos desaparecidos no México e em El Salvador. Os criminosos raramente são processados e, muito menos, impedidos de agir, sendo que a persistente impunidade se tornou um dos principais desafios por justiça social enfrentados na região.

É por isso que estamos apoiando uma série de organizações e líderes, para que aprofundem e compartilhem suas análises sobre a impunidade e para que combatam ameaças concretas, tais como execuções extrajudiciais, torturas e desaparecimentos forçados. Estamos trabalhando com parceiros que aportam abordagens distintas à questão: desde pressionar por maior responsabilização dos governos até desenvolver ações potentes de jornalismo e arte para dar voz às vítimas e suas famílias, reforçando seus direitos.

Obviamente, desmantelar essa cultura de impunidade não acontecerá de uma hora para a outra. Por meio de uma visão compartilhada e de ações coordenadas, estamos apoiando as organizações da região a estabelecer as bases para uma mudança duradoura.

Esta abordagem integrada está presente nas formas como atacamos as desigualdades resultantes das indústrias extrativistas, tais como mineração, petróleo e gás. A Fundação tem trabalhado com a questão do extrativismo há quase uma década, apoiando uma série de esforços para garantir que a população local se beneficie desses recursos. No entanto, o trabalho tem sido pontual. Enquanto um de nossos programas focava em indígenas perdendo suas terras, outro voltava-se aos impostos e à responsabilização do governo, com pouca integração de estratégias.

No âmbito da FordForward, coordenamos abordagens que conectam o global e o local. Atualmente, este trabalho envolve dois programas (Desenvolvimento Equitativo e Engajamento Cívico e Governo) e diversos escritórios regionais que trabalham de forma colaborativa, conectam as organizações apoiadas e compartilham conhecimento entre as regiões. Através desta abordagem coordenada, vozes locais podem melhor definir as prioridades globais e as plataformas mundias podem promover ideias, evidências e solidariedade que contribuem com os defensores que estão na linha de frente. Esta abordagem integrada ajuda nossos parceiros a trabalhar de forma mais eficaz junto ao governo, à sociedade civil e às empresas, visando soluções duradouras que tornem os recursos e os regimes fiscais globais mais justos, acessiveis e bem governados.

Se o nosso trabalho com extrativismo demonstrar a abordagem da FordForward operando em dois programas e em diversos escritórios, então nosso investimento em tecnologia de interesse público estará levando essa premissa a um passo adiante.

Como a Fundação fez na década de 1960 com o surgimento da legislação de interesse público, estamos hoje comprometidos com o estabelecimento desse campo emergente – em parte porque sabemos que as tecnologias influenciam cada vez mais áreas da sociedade, e pode nos ajudar em todos os espaços nos quais operamos. Através da parceria NetGain, estamos fazendo investimentos substanciais em esforços para desenvolver as capacidades de tecnologia de uma nova geração e para conectar novos tecnólogos a oportunidades no setor público e na sociedade civil. Esperamos que estes investimentos sejam o início de um processo que os permita e os encoraje a usar suas valiosas habilidades para promover a justiça e a igualdade.

Também apoiamos novos líderes na luta pela justiça social e, por meio de programas de bolsas de estudo de tecnologia, aportamos o talento tecnológico necessário às organizações que estão na linha de frente dessa luta. Estes visionários nos ajudarão a entender os sistemas tecnológicos e as proteções necessárias para combater a desigualdade em todas as suas formas, mesmo que isso signifique a criação de novos protocolos de segurança on-line ou a transformação da forma como grupos sociais se comunicam e interagem com os agentes governamentais. Acreditamos que o aprendizado e as soluções aportadas por estes especialistas em tecnologia de interesse público irão beneficiar o trabalho no setor social nos próximos anos.

Investimento em instituições

Embora estes três exemplos abordem apenas algumas de nossas estratégias recentemente definidas, nosso foco na construção de instituições mais fortes e duráveis está provocando uma mudança significativa na atuação de todos os nossos programas e escritórios regionais. Sabemos que as instituições são essenciais no combate à desigualdade. Elas formam líderes e fomentam ideias; sobrevivem a qualquer pessoa, e seu impacto vai muito além de qualquer projeto específico apoiado. Uma organização forte expande o horizonte de tempo de determinada missão ou estratégia particular e estabelece um posto avançado na linha de frente da mudança social.

No entanto, as organizações da sociedade civil estão ameaçadas em todo o mundo. A cada ganho, nossos parceiros enfrentam um considerável retrocesso. Vemos isso claramente, por exemplo, em repetidas tentativas de limitar o acesso das mulheres aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, que persistem mesmo em face a outros avanços nos direitos das mulheres. A luta contínua da sociedade civil é um lembrete necessário do estado da justiça social no nosso mundo: a luta nunca acaba e nunca cessa.

Precisamos construir instituições mais resilientes para garantir a permanência de seu trabalho em defesa da justiça. Como parte da FordForward, estamos priorizando a saúde das instituições que apoiamos de três formas:

  • Aumentamos as doações para apoio operacional geral em todos os programas e escritórios regionais. O objetivo é fazer com que esse seja nosso apoio padrão, sempre que possível.
  • Dobramos a taxa de despesas indiretas nas doações, de 10% para 20%, para financiar mais adequadamente os custos incorridos por uma organização para implementar um projeto.
  • E, nos próximos cinco anos, destinaremos 1 bilhão de dólares a um esforço concentrado no fortalecimento institucional de organizações da sociedade civil.

Essas mudanças são o ponto culminante de décadas de experiência na Fundação Ford, bem como do que repetidamente ouvimos dos nossos parceiros ao longo dos quase três anos do meu mandato. Mas, ainda que as experiências tenham nos ensinado sobre a importância das instituições, ainda há muito a aprender sobre a melhor forma de apoiá-las e fortalecê-las.

Aprendendo sobre o fortalecimento das instituições

Queremos acrescentar ao conhecimento filantrópico existente o que é necessário fazer para construir organizações da sociedade civil fortes, e queremos fazê-lo significativamente. Particularmente, buscamos compreender melhor as formas e os níveis de apoio que farão fundamental diferença para a saúde e para a resiliência da organização, e em quais fases do seu ciclo de vida.

Convidamos diversos parceiros para juntarem-se a nós neste caminho de aprendizagem, começando com 130 organizações e redes. Assim como todas as organizações que apoiamos, esses grupos estão desenvolvendo um trabalho essencial e inovador para reduzir a desigualdade. Alguns são organizações ou redes emergentes; outros são líderanças em seu campo de atuação. Mais da metade está localizado ou opera no Sul Global, enquanto outros trabalham com questões internas nos Estados Unidos. Mais da metade são liderados por mulheres e negros. Como grupo, desempenham uma ampla gama de funções e capacidades – desde mobilização de base à análise de políticas, até a prestação de serviços jurídicos.

Como parte dessa relação, pedimos a essas organizações que se comprometam a trabalhar de forma mais estreita conosco ao longo dos próximos anos, de uma maneira sem precedentes e, por vezes, potencialmente desconfortável. No momento, estamos conversando com cada organização, e, durante tais conversas, iremos ouvir, perguntar e aprender muito antes de concedermos qualquer apoio financeiro. Faremos perguntas como: Que questões operacionais não tiveram solução por falta de recursos? O financiamento e a arrecadação de recursos foram subestimados nos apoios recebidos? Que mudanças inovadoras e crescimentos programáticos foram deixados de lado em favor de necessidades e prioridades mais urgentes?

Essas conversas determinarão o conteúdo e o nível de financiamento oferecido. E como nenhuma instituição é igual à outra, nenhum apoio será. Nesse sentido, estamos aprendendo a colocar as organizações que apoiamos como condutoras para que assumam a liderança na elaboração do plano que melhor atenda às suas necessidades organizacionais.

Mesmo sabendo que muitos de vocês estão ansiosos para compreender melhor como serão efetivados esses apoios, nossa melhor resposta no momento é: tudo vai depender das necessidades específicas e das aspirações de cada organização. Assim que tivermos uma noção mais clara das especificidades de cada proposta e parceria, disponibilizaremos os detalhes no nosso site – tanto nas páginas de cada programa e região quanto nas bases de dados das nossas doações.

Um objetivo maior

Apesar de nossas estratégias de apoio e desenvolvimento institucionais variarem de um lugar para outro, respondendo ao contexto, aos costumes e às necessidades locais, o nosso maior objetivo permanece o mesmo. A cada apoio nos perguntamos como poderemos contribuir para reduzir a desigualdade e como esse suporte ajudará a fortalecer a organização.

Ao analisarmos o que acontece ao nosso redor, seja o impacto econômico global do voto Brexit, a direção imprevisível da política, o surgimento contínuo de ideais extremistas ou os reais impactos da mudança climática, as instituições da sociedade civil são uma fonte de esperança e inspiração para mim. Elas dão vida aos nossos valores democráticos, envolvem os cidadãos em um trabalho incessante no sentido de pressionar os governos a prestar contas e a desafiar ortodoxias com ideias e novidades . Elas também apoiam líderes inovadores, cultivam novas ideias e criam espaço para o florescimento da criatividade e da liberdade de expressão. Em suma, as instituições fazem o que nossas sociedades necessitam e desejam profundamente e caminham lado a lado com a iniciativa privada e o governo como componente essencial de sociedades vibrantes, estáveis ​​e saudáveis.

Tenho orgulho, pois, através da FordForward, fazemos tudo o que está ao nosso alcance para apoiar estas instituições e redes para que possam continuar a fazer um trabalho notável e inspirador, tão necessário ao nosso mundo atual. Esperamos fortalecer uma sociedade civil próspera e vibrante e garantir que pessoas corajosas obtenham o que precisam para lutar por um mundo mais justo e igualitário.